A responsabilidade objetiva da Pessoa Jurídica. A Lei Anticorrupção brasileira, no seu art. 2°, preceitua: "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não".
A responsabilidade da pessoa jurídica preconizada é de duas ordens. A norma anticorrupção responsabiliza a empresa pelo cometimento de fraude ou ato de corrupção praticados em seu nome e interesse (efeito sancionatório) e, consequentemente, pela integral reparação do dano (material e moral) causado à administração pública (efeito reparatório).
Culpa pela dupla imputação necessária x Culpa por defeito de organização. Pelo texto legal supramencionado, a rigor, não há como afirmar categoricamente se, para responsabilizar a pessoa jurídica (efeito sancionatório), em procedimento administrativo ou judicial, será imprescindível se proceder à individualização ou investigação sobre a conduta própria da pessoa física (dupla imputação): dirigentes e administradores (diretores, conselheiros, empregados e terceiros - art. 3° da Lei Anticorrupção); ou, por outro lado, se é suficiente demostrar que a empresa, há época dos fatos, "não mantinha uma organização adequada" ou "não cumpria adequadamente o dever de vigilância sobre suas atividades, empregados e prepostos" (infração de dever: deixar de manter um eficiente e eficaz sistema de integridade e governança corporativa), fato revelado, sob a perspectiva da Lei Anticorrupção, simplesmente pelo cometimento do ilícito, que seria indício suficiente de "déficit organizacional" (na hipótese: por ter falhado na prevenção da fraude ou corrupção), logo, presumindo o legislador a responsabilidade da pessoa jurídica.
Culpa fundada na dupla imputação necessária. Para o sistema da culpa fundada na dupla imputação necessária (sistema vicarial ou da representação), o delito praticado deve desvincular-se de qualquer interesse ou sentimento próprio da pessoa física – vale dizer: o ato deve ser praticado para a satisfação de interesse da pessoa jurídica, que será a beneficiária da ilicitude, não seu representante legal (ou empregado, colaborador, etc.) que se limitará a concretizar a conduta ilícita em benefício do ente moral. Por isso que se diz que a imputação dirigida à pessoa jurídica também se estenderá à pessoa física ou ao seu representante legal: na verdade, a culpa da pessoa física é a própria culpa da pessoa jurídica, estando ambas indissociavelmente imbricadas.
Culpa por defeito de organização. A responsabilidade fundamentada na teoria da culpa por defeito de organização trata-se de um juízo de reprovabilidade que decorre da ausência de medidas exigíveis para que a pessoa jurídica exerça suas atividades negociais com estrito cumprimento do ordenamento jurídico. O déficit organizacional deve anteceder o cometimento do ilícito, praticado em nome e no interesse da pessoa jurídica.
A culpabilidade por defeito de organização pode restar evidenciada não somente pela conduta individual da pessoa física representante do ente coletivo ou empresarial, mas também desde que demonstrado que a infração deriva de um acúmulo de orientações indevidas ou operações individuais inadequadas de pessoas físicas que compõem a estrutura social do ente coletivo; a culpabilidade, diz-se, poderia ser devido, ainda, da falta de vigilância ou regular orientação da pessoa física que deveria praticar a conduta de modo adequado.
No mais, a responsabilidade por déficit organizacional assume como própria a culpa da pessoa jurídica. Ao desconsiderar a necessidade de produzir prova da culpa da pessoa natural, a mencionada teoria tem como prescindível à responsabilização da pessoa jurídica a demonstração da conexão entre a culpa do dirigente, gestor, empregador ou terceiro e a culpa empresarial.
Neste sentido, a teoria poderá concentrar-se em apurar em que medida a pessoa jurídica, antes do cometimento do ilícito, mantinha (ou não) um Sistema de Governança Corporativa e Programa de Integridade efetivo e eficaz.
Responsabilidade da Pessoa Jurídica por culpa própria. A autonomia e a independência da responsabilidade da pessoa jurídica por (fato) culpa própria parecem mesmo estar consagradas na dicção dos artigos 2º e 3º da Lei Anticorrupção, em consonância com a exigência implícita para implantação de mecanismos e procedimentos internos de integridade (artigos 41 e 42 do Decreto Federal n° 8.420/2015).
A leitura sistemática desses diplomas normativos, s.m.j., nos conduz ao entendimento que, nesta seara, há fundamento hábil à responsabilização da pessoa jurídica sustentada na culpa por déficit organizacional, embora o legislador não tenha instituído dogmaticamente (ou explicitado) um verdadeiro e autêntico sistema de imputação de responsabilidade do ente coletivo ou empresarial baseado naquela teoria.
Saber se a responsabilidade da pessoa jurídica esta baseada na teoria da dupla imputação necessária da culpa ou na teoria da culpa por defeito de organização é de fundamental importância para uma correta leitura e interpretação da Lei Anticorrupção.
As lacunas de punibilidade em face das organizações empresariais complexas. Se o que se pretende com a responsabilização da pessoa jurídica (na esfera administrativa), em razão de fraudes ou atos de corrupção nas circunstâncias apontadas na Lei Anticorrupção, é combater a impunidade e proteger o patrimônio da administração pública em face de possíveis lacunas de punibilidade, quando no caso concreto não houver meios de individualizar ou identificar qualquer pessoa física que materialmente cometeu o delito, em nome e no interesse da pessoa jurídica (devido à complexidade interna das organizações empresariais), então, responsabilizar a pessoa jurídica independentemente da evidência de culpa da pessoa física é de crucial importância.
Nesse aspecto, na seara do Direito Administrativo Sancionador a culpa por defeito (ou déficit) organizacional pode representar uma solução dogmaticamente viável e adequada aos propósitos da Lei Anticorrupção.
A Lei Anticorrupção brasileira: norma substancialmente penal. Assim, diferentemente de outras legislações em Direito comparado, o legislador brasileiro não editou uma lei tecnicamente coerente, principalmente para atender corretamente aos princípios da legalidade, da culpabilidade, da razoabilidade e proporcionalidade, considerando que a Lei Anticorrupção é uma norma punitiva severa, com as nuances de verdadeira "lei penal" e não meramente norma de natureza administrativa.
A rigor, por ora, a Lei Anticorrupção não obriga a empresa a implantar um Programa de Integridade ou a manter Governança Corporativa comprometida com a observância da lei como critério para avaliação de sua culpabilidade (poderia tê-lo feito). Somente considera tais elementos como causa de redução da pena.
No âmbito das legislações que mais influenciam o Brasil nessa matéria - o FCPA Act (EUA) e o Bribery Act ou UKBA (Reino Unido) -, não é desconsiderada (ainda que por interpretação sistemática) a possibilidade de exclusão da responsabilidade da empresa, caso demonstrada a adequação, eficácia e eficiência do Programa de Integridade e que o ilícito foi um episódio isolado e imprevisível, creditado ao total descumprimento ou inobservância pelo empregado, dirigente, administrador, colaborador ou terceiro, de todas as políticas de conformidade e orientações especificas de "due diligence", não obstante terem sido submetidos a treinamento e a constatação da atuação preventiva da pessoa jurídica.
Esta a opção do legislador espanhol, na seara penal, ao estabelecer a legitimidade de responsabilizar a pessoa jurídica. O artigo 31 bis (2), do Código Penal, expressamente autoriza a isenção de responsabilidade se cumpridas as condições que menciona, dentre elas, a adoção e execução eficaz, antes do cometimento do delito, de modelos de organização e gestão, incluídas medidas de vigilância e controle idôneas para prevenir delitos de mesma natureza ou para reduzir de forma significativa o risco de seu cometimento.
Ausência de coerência interna da Lei Anticorrupção: violação do princípio da razoabilidade e proporcionalidade. Essa a razão pela qual a Lei Anticorrupção não possui coerência interna entre os seus dispositivos e não cumpre substancialmente o princípio da razoabilidade e proporcionalidade na sua função de prevenção e combate à fraude e à corrupção, na medida em que impõe penas severas à empresa presumindo sua culpa, mesmo nos casos em que tenha trilhado calvário dispendioso para implantar Governança Corporativa e Programa de Integridade efetivo e eficaz.
Senão por outras razões, essas duas indefinições ou incoerências da Lei Anticorrupção (modelo de imputação da culpa e atenuação – sem exclusão - da culpa), dentre outras, farão com que, uma vez judicializada uma demanda qualquer, a tendência é ocorrer o mesmo que já se dá em relação à ação para punição de atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992), também vocacionada à proteção do patrimônio público: alguns casos levarão anos e anos para se definirem nos tribunais, com reflexo na continuidade da impunidade e ineficácia da Lei Anticorrupção, salvo se o legislador resolver, coerentemente, atualizá-la, em respeito ao devido processo legal substancial: estrita observância da legalidade e da razoabilidade, adequação e proporcionalidade.
O Projeto de Lei nº 7149/2017 e a obrigatoriedade do Programa de Integridade. Importa ressaltar, em arremate, que no Brasil atualmente encontra-se tramitando na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 7149/2017 para alteração da Lei Anticorrupção, acrescentando-lhe a exigência de implantação de Programa de Compliance para contratação com a administração pública, modificação salutar para o incremento das finalidades para as quais a referida norma foi editada, colocando-a no mesmo patamar do Estatuto Jurídico das Empresas Estatais – Lei nº 13.303/2016 e Resolução nº 4.595/2017 que dispõe sobre a Política de Conformidade das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, diplomas normativos que exigem expressamente a implantação de sistema de integridade (Governança Corporativa + Programa de Compliance).
No contexto da Lei Anticorrupção, o Programa de Integridade e a necessidade de implantar e manter cultura organizacional de fidelidade ao Direito, ou seja, postura proativa constante, comportamento contumaz de respeito às leis, normas, regulamentos, etc., deve ter reflexos não somente na aplicação ou dosimetria da sanção administrativa: se trata de medida de justiça e equidade, sendo dogmaticamente correto o entendimento de que a presença de um sistema de integridade hígido e boa governança corporativa sejam fatores levados a efeito na aferição da própria culpabilidade da pessoa jurídica.
No Brasil, é imprescindível, s.m.j., superar o esquema tradicional de meramente utilizar o Programa de Integridade como fator de atenuação da pena, inviabilizando a exclusão da pena ou da própria responsabilidade administrativa, sem que isso importe afastar o dever de indenizar amplamente a administração pública pelos danos materiais e morais causados (que decorre do efeito reparatório da Lei Anticorrupção, cuja obrigação permanece incólume, mesmo em face da isenção da culpa, pois fundamentada em pressupostos diversos da sanção-pena pela prática do ilícito administrativo).
Por outro lado, autorizar a exclusão da culpa da pessoa jurídica quando demonstrada a eficácia e eficiência do Programa de Integridade, como instrumento de mitigação de riscos de fraude ou corrupção, converte-se em medida de grande incentivo às empresas para que implantem seus sistemas de integridade corporativa que, apesar dos seus indissociáveis benefícios à corporação e à higidez dos seus negócios, importa em dispêndio de tempo e às vezes grandes somas, conforme o porte e complexidade das organizações empresariais.
Não obstante a Lei Anticorrupção preveja, de regra, a responsabilidade objetiva, princípios que norteiam o Direito Administrativo sancionador não podem desconsiderar o modo como a empresa se comporta no mundo corporativo, sua cultura interna e a existência ou não do Programa de Integridade, elementos que se circunscrevem em critérios de avaliação da culpabilidade empresarial.
Logo, atende aos cânones constitucionais da razoabilidade, adequação e proporcionalidade e do devido processo legal, ter em conta a existência de Programa de Integridade efetivo e eficaz (que anteceda o ilícito), não somente para fins de aplicação da sanção, mas também como instrumento de defesa da pessoa jurídica, principalmente nos casos em que ficar demonstrado que o ilícito foi praticado por empregado, gestor, ou colaborador, que, atuando premeditadamente, com ardil e fraudulentamente, superou os melhores mecanismos de controle e prevenção, a pretexto de estar atuando em nome e no interesse da empresa.
Para além da proposta de alteração para obrigar a pessoa jurídica a implantar programa de integridade (compliance), o legislador poderia aproveitar o ensejo das alterações pretendidas com o Projeto de Lei nº 7149/2017, para fazer acrescentar à norma previsão de que a existência de sistema de integridade efetivo e eficaz, que anteceda o cometimento do ilícito, e cultura organizacional de conformidade às leis, normas e regulamentos aos quais estejam submetidos a pessoa jurídica, são circunstâncias a serem consideradas na avaliação da sua culpabilidade e aplicação das sanções pela violação das disposições previstas na Lei Anticorrupção.
Com esta previsão a Lei Anticorrupção brasileira daria um grande salto de qualidade nas suas disposições, com respeito à legalidade e aqueles outros princípios supramencionados, reverberando em mais um grande fator de justiça e equidade que motivaria mais incisivamente as empresas à implantação de seus Programas de Integridade.
Ademais, estes acréscimos à atual redação da Lei Anticorrupção colocariam o Brasil em igualdade de condições com algumas das mais importantes legislações anticorrupção em Direito Comparado e que influenciam diuturnamente os negócios e o cotidiano de muitas empresas brasileiras e estrangeiras aqui sediadas, que precisam constantemente se adaptar àquelas normas de que são exemplos o Foreing Corrupt Practices Act (FCPA, Estados Unidos) e o United Kingdom Bribery Act (UKBA, Reino Unido).
Arnaldo Quirino de Almeida.
Pós-graduado em Direito Penal Econômico e Europeu (Universidade de Coimbra, Portugal). Pós-graduado em Direito e Processo Penal (Universidade Mackenzie, São Paulo). Pós-graduando em Direito Corporativo e Compliance (Escola Paulista de Direito, São Paulo). Governança Corporativa, Compliance, Gestão de Riscos e Lavagem de Capitais (Saint Paul Escola de Negócios, São Paulo).
Para saber mais, consultar:
Almeida, Arnaldo Quirino de. A responsabilização do Compliance Officer e a Lei Anticorrupção. Revista Síntese de Direito Administrativo: São Paulo, abril/2018, nº 148, pp. 85/104.________________. Programa de Integridade (Compliance Program) na Lei Anticorrupção e Culpabilidade empresarial. Revista Síntese de Direito Empresarial: São Paulo, set-out/2017, nº 58, pp. 68/111.______________. Sistema Simplificado de Gestão de Integridade para microempresas e empresas de pequeno porte no Brasil. World Compliance Association.com: Madri, 27/05/2018.________________. Improbidade Administrativa e a atuação do Ministério Público. Revista IOB de Direito Administrativo. São Paulo, out/2009, nº 46, pp. 7-41. Candeloro, Ana Paula P. et al. Compliance 360º, riscos, estratégias, conflitos e vaidades no mundo corporativo. São Paulo: Edição dos Autores, 2015, 2ª ed. Carvalhosa, Modesto. Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. Cruz, Marco. Fazendo certo a coisa certa: como criar, implementar e monitorar programas efetivos de Compliance. Porto Alegre: Editora Simplíssimo, 2017, versão e-book. Denison, Daniel (et al). A força da cultura organizacional nas empresas globais. Rio de Janeiro: Ed. Elsevier & Campus, 2013. Díez, Carlos Gómez-Jara. Fundamentos modernos de la Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas. Montevideo-Buenos Aires: Editorial B de F, 2010. ________________. El Tribunal Supremo ante la responsabilidad penal de las personas jurídicas. Navarra: Editorial Aranzadi, 2017. Giovanini, Wagner. Compliance: a excelência na prática. Compliance Total edição, 2014. Martín, Adán Nieto e Zapatero, Luis Arroyo, directores. El Derecho Penal Económico e la era Compliance. Valencia: Edita Tirant lo Blanch, 2013. Neves, Edmo Colnaghi. Compliance Empresarial: o tom da liderança. São Paulo: Jurídicos Trevisan Editora, 2018. Nieto García, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador. Madri: Editorial Tecnos, 2012, 5ª ed. Paula. Marco Aurélio Borges de, et al., Coordenadores. Compliance, Gestão de Riscos e Combate à Corrupção. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2018. Tiedemann, Klaus. Manual de Derecho Penal Económico. Valencia: Edita Tirant lo Blanch, 2010.
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